sexta-feira, 6 de junho de 2014

2 Sm 21.15-20 Líderes no Limite




Introdução:


Davi foi um homem proativo. Lutou muitas guerras, venceu muitas batalhas, expandiu o reino de Israel, governou uma nação por 40 anos, mas com o passar do tempo, suas atividades se tornavam cada vez mais pesados, alguns sintomas de stress e esgotamento nervoso começaram a ser percebidos, e o esgotamento físico e mental aconteceu numa nova batalha com os filisteus. (Uma nova, porque sua vida inteira parece que era uma constante necessidade de afirmação contra estes inimigos incansáveis), e nesta batalha, “Davi ficou muito fatigado” (2 Sm 21.15), a ponto de seus líderes perceberem (felizmente, porque nem sempre é assim, muitas vezes os liderados não percebem quão cansado encontra-se seu líder, e como ele encontra-se no limite de sua resistência).
O que provocou este esgotamento em Davi, um líder quase imbatível e aparentemente incansável?
Creio que alguns fatores podem ser percebidos numa leitura simples e atenta da história de Davi.

  1. Fator Idade – Davi ainda não era muito idoso, se o colocarmos no prisma da expectativa de vida do Século XXI, quando chegou ao seu limite pessoal, mas para o padrão de sua época (a média de idade na Idade Média era de apenas 32 anos), ele já tinha vivido bem, estava já com uns 55 anos. Ele ainda tinha vigor para ir para a guerra, mas sua mobilidade, resistência e disposição não eram a mesma. Sua idade conspirava contra ele.
Líderes se cansam. A idade é um fator que não deve ser menosprezado. Quando somos jovens nossa energia parece ser inesgotável, mas com o tempo esbarramos na saúde e na própria capacidade do organismo de reagir, e com ele pode surgir abatimento e esgotamento.
Foi assim que me senti algum tempo atrás. Desde os 16 anos de idade, antes de ir para o seminário me preparar para o pastorado, estive envolvido com liderança de igreja, retiros, congressos e programações da mocidade e da igreja. Minha primeira experiência se deu com 19 anos, quando lideramos um congresso para 350 jovens, na cidade de Gurupí, sem dinheiro e sem apoio de outros líderes. Quando seminarista e depois, pastor de mocidade, realizávamos encontros sem estruturas físicas adequadas, dormíamos mal, em estruturas simples, num destes encontros tivemos que levantar todo mundo de madrugada por causa de uma epidemia de piolhos (estávamos dormindo num galinheiro desativado), doutra feita, quase morremos de frio numa temperatura que cai para algo em torno de zero graus em Sorocaba, mas isto não nos desanimava nem nos assustava.
Poucos anos atrás, ainda acompanhava os jovens da igreja em todos encontros, ao terminar um destes encontros, cheguei à resoluta opinião de que não iria mais a estes encontros. O problema é que o líder de acampamentos e jovens era uma pessoa que queria muito a minha presença, e foi difícil convencê-lo de não iria. Minha indisposição era desproporcional ao amor do grupo organizador. Eu simplesmente não queria ir, e a idéia não era apenas clara, mas eu estava absolutamente indisposto para a tarefa.
Nem sempre é fácil admitir ou reconhecer esta realidade em nós mesmos. Isto significa admitir que envelhecemos. Muitas vezes a igreja não consegue entender esta mudança e eventualmente cobranças são inevitáveis, mas a verdade é que líderes se cansam, envelhecem e se fatigam.
Um diácono de nossa igreja certa vez me fez a seguinte paródia da vida:

Dos 0-10 anos: Brinque o máximo que puder
Dos 10-20 anos: Estude o máximo que puder
Dos 20-30 anos, aperfeiçoe o máximo que puder
Dos 30-40 anos, ganhe o máximo de dinheiro que puder
Dos 40-50 anos, lidere o máximo que puder
Dos 50 anos em diante, saia de fininho, o máximo que puder

  1. Fator Mesmice – Por mesmice me refiro ao fato de que as coisas parecem se repetir. Os mesmos problemas, as mesmas pessoas, as mesmas lutas, tudo sempre igual, sem inovação. Quando você pensa que as coisas já avançaram um pouco, percebe em você mesmo, e nos outros (o que é pior), que as coisas parecem estar no mesmo lugar, não avançaram.
Olha o que este autor afirmou:
“Hoje eu amanheci cansado de mim. Hoje eu amanheci empoeirado pela mesmice de sempre. Olhei à minha volta e vi a mesma cortina na janela, o mesmo tapete no chão, as mesmas almofadas murchas e o mesmo sofá no qual eu repouso as minhas mágoas há anos. Às vezes eu penso em pintar as paredes do meu quarto com outras tintas para que os meus sonhos se tornem mais coloridos. Mas que cores teriam os meus sonhos, então? Eu não sei... Cansei de acordar, me ver aprisionado entre quatro paredes desbotadas e nunca me lembrar do que eu sonhei” (Renée Venâncio).

Não foi assim mesmo que sentiu Salomão já no final de sua vida?
“Uma geração passa e outra chega, mas nada muda –
 é sempre a mesma coisa.
O sol nasce e se poe, um dia após o outro – é sempre igual.
O vento sopra para o sul e depois para o norte.
Gira é dá muitas voltas, sompra aqui e acolá –
e vai seguindo o mesmo rumo.
Todos os rios vão para o vasto oceano, mas o oceano não transborda.
Os rios correm para o mar e logo depois voltam a fazer o mesmo percurso.
É um tédio só! É uma mesmice sem tamanho!
Nada tem sentido!”

Vemos este fator mesmice claramente relatado no texto bíblico: “De novo, fizeram os filisteus guerra contra Israel” (2 Sm 21.15). Coloquei um negrito intencional no inicio do texto, para demonstrar que estas coisas eram repetitivas. Os mesmos problemas, constantes, batendo na mesma tecla, com as mesmas pessoas e os mesmos inimigos, saturam a psique de qualquer líder. A tradução feita por Eugene Peterson (A Mensagem), mostra esta constância da guerra:
  • “Houve outra guerra entre os filisteus” (2 Sm 21.15);
  • “Depois houve outra guerra contra os filisteus, em Gobe” (2 Sm 21.18);
  • “Em outro conflito, contra os filisteus” (2 Sm 21.19);
  • “Outra batalha foi travada em Gate” (2 Sm 21.20);
Recentemente conversava com a minha esposa sobre o fato de que as pessoas precisam ouvir as mesmas respostas, aos mesmos problemas, anos a fio, e como isto eventualmente se torna rotineiro e cansativo. Parece que o software errado não muda, o sistema é o mesmo, usando um interminável replay, aprendendo sempre sem jamais chegar ao conhecimento da verdade – e como isto se torna cansativo.
Einstein afirmou que “é o cumulo da tolice, fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”. Quando lidamos sempre com as mesmas pessoas, cometendo os mesmos erros, e tentamos insistentemente fazer do mesmo jeito que sempre fizemos, falar das mesmas coisas que já falamos, isto se torna um cansaço sem fim. Espera-se certa progressão e maturidade num aconselhamento, mas nem sempre isto acontece. Os mesmos problemas, as mesmas reclamações e exigências, crises tem um efeito estressante para nosso organismo.
Um admirável líder da minha denominação deixou o pastorado de uma grande igreja, depois de 23 anos de ministério local, aceitando o convite para assumir um cargo mais burocrático, numa autarquia da igreja. Fiquei surpreso com sua decisão e quando o encontrei indaguei os motivos. Ele me disse que ele precisava sair, por motivo de sobrevivência emocional, segundo ele, determinados condicionamentos que ele mesmo criou como líder, foram se tornando pesados demais com o passar do tempo, e me contou um exemplo simples para ilustrar.
Um dia, após um culto no meio de semana, estava chovendo e uma senhora da igreja estava ali aguardando uma estiagem, para pegar o ônibus que a levaria para o bairro. Apesar de ser uma distancia relativamente longa, numa direção oposta á sua casa, sensibilizado resolveu dar-lhe uma carona. Na semana seguinte, aquela mulher no final do culto, aproximou-se dele, esperando que ele se oferecesse para novamente levá-la. Ele entendeu o recado e aquiesceu. A partir deste momento, disse ele, levá-la até sua casa não era mais favor, era responsabilidade e dever. Ele disse que isto acontecia em vários níveis e por isto resolveu mudar.
Desafios e problemas serão encontrados em todos os lugares, mas eventualmente nos cansamos e começamos a fantasias que “pepino de horta nova tem gosto diferente”, no entanto, a repetição e a mesmice facilmente tornam-se fatores de fadiga e desânimo.

  1. Fator Oposição – O terceiro elemento que surge na vida de Davi é o inimigo nos acossando. O texto afirma que nesta guerra, Isbi-Benobe, que descendia dos gigantes, ignorou os outros soldados e decidiu que mataria Davi. Ele era um homem de porte extraordinário e tinha uma arma excepcional, uma lança que pesava 300 siclos, era assustador. Cada ciclo pesa 15 gramas, isto significa três quilos e seiscentos gramas. Este inimigo deseja destruir Davi, seu foco é um só. Não fosse a intervenção de Abisai e Davi certamente teria sucumbido, de acordo com o relato bíblico. Este ataque, de forma particular, deixou Davi extenuado.
Ataques dirigidos aos líderes são comuns no ministério pastoral. Paulo descreve as oposições por ele enfrentadas e o relato não é nada romântico (2 Co 11.24-28). São depressões, desânimo, apatia, desencorajamento, acusações do demônio e das pessoas, cobranças externas e internas (que tem a ver mais com nossa própria disposição de coração). Paulo afirma que teve oposição dos judeus, mas fala também dos perigos que passou “entre falsos irmãos” (2 Co 11.26). Narra as coisas exteriores e a preocupação pastoral em si. “Quem enfraquece que também eu não enfraqueça? Quem se escandaliza que eu não me inflame?” (2 Co 11.29)
Além disto, a oposição satânica. Setas inflamadas do inimigo, ataques pesados do adversário de nossas almas,. Setas são atiradas de longe e surgem do ambiente externo, mas algumas possuem alvos certeiros: ansiedade, angústia, medo, opressão. O diabo é implacável e não tem misericórdia, suas armas são pesadas como a lança de Isbi-Benobe, o inimigo de Davi citado acima. Ele anda em derredor procurando alguém para devorar, é necessário uma vigilância constante, já que seus ataques atingem emoções, pensamentos e saúde física e mental.

Como ajudar líderes cansados?

Este texto nos mostra um Davi no limite. Por pouco ele não é destruído e no final da batalha ele se sentia “mui fatigado”. Felizmente Abisai se colocou ao seu lado para defendê-lo. Creio que a igreja precisa aprender alguns passos para fortalecer seu líder.

  1. Precisamos protegê-los– Foi isto que Abisai fez ao ver Davi em apuros. O texto afirma que “Abisai, filho de Zeruia, socorreu-o” (2 Sm 21.17); dando-nos a entender que se isto não tivesse acontecido, Davi não sairia dali vivo.
Conselhos e comunidades precisam criar um escudo de defesa em torno de seus pastores e líderes, que enfrentam grandes lutas no exercício do seu oficio e função. O princípio aqui presente é o de não deixar o líder lutando sozinho. Ele vai exaurir a força e sucumbir. Conheci membros do conselho de uma igreja local, que quando surgia um problema maior na comunidade, que poderia envolver desgaste pastoral, se mobilizava e dizia: “Pastor, esta não é uma tarefa sua. Nós vamos protegê-lo, cuidando disto”.
Eventualmente líderes ficam muito solitários diante de grande lutas e com fortes e poderosos inimigos, mas ao invés de os protegermos, podemos acrescentar ainda mais peso, porque podemos nos tornar políticos ou apáticos com os problemas, até mesmo disciplinares e morais que precisam ser tratados. Líderes precisam ser protegidos. Muitas vezes o desafio é financeiro, assumido pela comunidade, que não se mobiliza deixando o pastor na hercúlea tarefa de cuidar sozinho do problema.

  1. Precisamos repensar o modelo – Esta é outra observação percebida no texto. “Os homens de Davi lhe juraram dizendo: Nunca mais sairá conosco à peleja, para que não apagues a lâmpada de Israel ”  (2 Sm 21.17).
Com o seu líder vivendo no extremo de sua capacidade emocional e física, os companheiros de Davi sugeriram uma mudança na forma de fazer guerra. Não permitiriam que ele fosse com os soldados á batalha.
Esta era uma nova e arriscada forma de fazer as coisas. Davi era inspiração do exercito por muitos anos. Ele era carismático, encorajador, dava moral à tropa, mas agora o exercito marcharia sem sua presença. Isto implicava num novo paradigma, uma nova postura militar. No entanto, eles fazem isto para poupar e proteger Davi.
Eventualmente as comunidades, para proteger seus pastores precisam redefinir funções e tarefas para não sobrecarregá-lo, isto exige maturidade e um repensar nas estratégias e métodos, para redefinir o modelo de ação. Novos tempos exigem novas atitudes. As coisas mudam, e a forma de fazer pode ser reavaliada.

  1. Precisamos continuar a luta – Observe este importante detalhe que observamos no texto. As estratégias devem mudar, mas a luta não pode parar. Mudam métodos, estratégias, mas nunca o objetivo e o alvo final. O inimigo está ao redor, e a batalha continua. “Depois disto, houve ainda, em Gate, outra peleja contra os filisteus” (2 Sm 21.19). com ou sem a presença de Davi, o líder maior, existe muita batalha a ser travada, a oposição não deixa de existir. O líder foi poupado, mas a batalha continua. Um gigante foi derrotado, mas outros surgirão.

Conclusão:

Existem muitos líderes desanimados, desfocados, desencorajados e deprimidos. São doenças, batalhas excessivas, fragilidades emocionais, saúde debilitada, frustrações. Não é muito difícil chegar ao limite da resistência. Davi também se esgotou e se sentiu fatigado no meio da luta.
Que estamos fazendo para proteger estes homens que guerrearam tanto?
Já encontrei conselhos inteiros de igrejas locais jogando a toalha e desistindo de seu chamado, de seu papel, com o dom que havia neles e que foi dado por meio de imposição de mãos. Homens que estavam no limite, cansados, aborrecidos e angustiados, pensando em desistir. Estes homens davam suas vidas pelas suas comunidades, mas agora estavam no limite.
Líderes precisam de descanso.
Vinde repousar um pouco, à parte, num lugar deserto” (Mc 6.31).
Jesus disse isto aos seus discípulos, pouco depois do incidente que provocou a morte de João Batista. Todos estavam tensos e tristes. Questões teológicas pairavam sobre suas cabeças: “como Deus permitiu que um homem ímpio como Herodes pudesse tirar a vida de João Batista de forma tão brutal e leviana?”. Eles precisavam de descanso.
Da mesma forma, ainda hoje, centenas de líderes estão “correndo, porém mortos” (Wayne Cordeiro), e precisam novamente encher o tanque emocional de suas almas, se alimentar do maná celestial  para continuar na obra e glorificando a Deus através de suas vidas.


Aeroporto de Cuiabá, 28 de maio 2014

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